sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

MEMÓRIAS DE UM CALDEIRÃOZINHO

MEMÓRIAS DE UM CALDEIRÃOZINHO

   Não me lembro como saí daquela fábrica de panelas, não me lembro tão pouco como fui parar naquela casa.  A única coisa que me lembro (e bem) é de como ganhei um dono.  Ele, o meu dono, me adorava. Sem falsa modéstia posso dizer que me idolatrava! Afinal o que seria de suas fantasias sem a minha existência? Como ele poderia querer parecer aquele Dedé que ficava por lá e que dividia de certa forma sua atenção comigo, se eu não estivesse por lá? Dorcélio ou Dedé como o meu dono o chamava, trabalhava no sítio e almoçava no terreiro da casa. Meu pequeno dono era chamado de Elias Jorge e tinha uns três anos quando cheguei a suas mãos. A sua pouca idade não invalida a minha importância e só a aumenta. Não estou sendo arrogante ou metido, pois só eu sei como fui importante para ele. Vou contar um pouco de nossa intimidade. Meu dono pedia para que o seu almoço fosse servido em mim. Mas não era de qualquer maneira! Tinha um método especial! Afinal tinha que ser igual ao tal do Dedé!
   O ritual era o seguinte: a mãe de meu pequeno dono me arrumava de forma muito carinhosa, mas tinha que ser o feijão por baixo e depois o resto do almoço. Então ele sentava na escadinha da casa que saia para o terreiro, colocava uma toalhinha na mão e me segurava com cuidado. O chapéu tinha que ficar no joelho, como o daquele Dedé...
   Acho que meu dono pensava que era muito legal ser um campeiro, cuidar de plantações, usar a enxada, mexer com os animais e tenho quase a certeza (não sei bem, pois ele não me confessou isso) que não queria mais nada da vida. Só ser igual ao Dedé.
   Sem querer parecer importante, posso afirmar que os sonhos do meu pequeno dono, só aconteceram porque eu estava ali para que ele pudesse me colocar na palma de sua mão e pensar que era o Dedé. Como era bom me sentir importante, parte de uma fantasia inocente! E foi assim durante um bom tempo. Depois meu dono cresceu e eu não me dei conta que tinha ficado esquecido. Fiquei triste, mas não magoado.             Fiquei guardado, não sei bem onde e nem sei por quanto tempo. De tempo em tempo alguém me pegava e me usava para uma coisa ou outra. Mas por onde andava o meu pequeno dono? Neste período perdi um pedaço e até a minha tampa desapareceu...
Mas o amor de um caldeirãozinho por seu dono nunca acaba e eu tinha esperança de que um dia ele, o meu pequeno dono, iria aparecer.
Meus sonhos não foram em vão. Meu pequeno dono apareceu! Pegou-me e com ele fui para a casa que agora é sua. Longe, muito longe do sítio de suas fantasias, mas perto de suas lembranças. E agora minha gente, embora faltando um pedaço e um pouco escurecido pelo tempo, estou aposentado! Meu dono não é mais o meu pequeno. É adulto, mas não me esqueceu e me reservou na minha aposentadoria um lugar de honra e estou lindo! Agora não tenho mais comida no meu interior. Tenho vida! A vida representada por uma planta linda e verde que enfeita sua linda casa e me dá a sensação que continuo muito importante para o meu dono. Obrigado meu pequeno, por não esquecer que fiz parte se suas fantasias e ajudei a construir um homem que cultiva sentimentos e saudades!




                                     Dorcélio e  o dono do caldeirãozinho