SEBASTIÃO FEREIRA DINIZ OU SOMENTE
TATÃO
Lembrei-me do Tatão. Do nada me veio a
lembrança de fatos ocorridos que ficaram na minha memória. Numa velocidade
atroz, como flashes de trailer de filmes, vieram tantas lembranças!
Tatão era Sebastião Ferreira Diniz, irmão do
meu avô materno e que tinha uma deficiência física provavelmente originária de
um parto difícil, uma paralisia cerebral que, o decorrer dos anos, foi decisivo
para seu agravamento. Naquela época, não existiam os recursos de agora, então Tatão
foi passando da bengala, para o carrinho de 3 rodas, para a cadeira de rodas e
daí para a cama. Com o cognitivo preservado, era de uma grande inteligência,
crítico e um grande chantagista. Gostava de brincar de adivinhações com as
crianças, mas tinha preferência por uma especificamente, que fazia sempre: “ O
que é o que é? Uma caixinha de bom parecer, mas não há carpinteiro que a possa
fazer?” A resposta era amendoim (na casca obviamente). E ria , ria muito das coisas “mal feitas”,
daquelas que davam errado. Era esperto
para saber aproveitar dos que o achavam bobo. Em época de eleição fingia que
vendia seu voto e então ganhava sapatos de um, terno de outro e assim ia
vivendo. Nunca deixou de ter uma atividade. Em épocas em que não havia
facilidade para benefícios sociais, trabalhava no seu carrinho: vendia café,
engraxava sapatos...
Convivi minha infância toda com ele.
Primeiro no carrinho, na cadeira de rodas (da qual tinha um ciúme enorme), e depois,
quando foi para a cama. Era então mais complicado para mim, mas nunca tive
medo, raiva, vergonha ou qualquer sentimento adverso. À noite ele gritava
muito, ou melhor, chamava muito para que alguém o virasse na cama, rogando a morte, mas com uma vontade
de viver imensa. Quando sentia alguma coisa, quando pensava que ia morrer,
punha a “boca no mundo” e pedia para não morrer e que se chamasse o médico.
Existem alguns fatos folclóricos em relação
a ele que vou tentar reproduzir:
Em determinada ocasião, em que ainda se locomovia
com alguma independência, disse que ia se matar. Pegou uma bala de revólver e
disse que ia engolir e que aí ia dar cabo à vida. Meu avô, seu irmão, já o
conhecendo bem, disse que ele fosse em frente. Pegou então a bala e disse para
ele engolir e saiu. Dias depois, quando a sua camisa foi para ser lavada, achou-se
a bala dentro do bolso.
Um de seus inúmeros prazeres era colocar
apelidos nas pessoas: meu tio Enéas era Geleia Mocotó de Égua, minha mãe era
Fré, tio Luiz era Zé Velho e Brucutu, tia Therezinha , a Perereca, o tio Betão
era Alemão, e à Dindinha ele chamava Costa D´ África. Gostava muito de usar
expressões engraçadas. Quando uma pessoa sumia, ficava algum tempo sem aparecer,
lá vinha ele com a teoria de que a pessoa já tinha morrido e era um tal de :
“-Ah! Fulano
abotoou o paletó, ou Fulano atravessou o córrego, ou ainda Fulano botou pijama
de madeira.”
Sendo ele uma pessoa de um medo desmedido de
almas de outro mundo, era vítima de brincadeiras e de sua própria imaginação.
Em uma época em que moravam numa casa que tinha um quintal grande, com muitas
árvores , num dia de muito calor, foi tomar a “fresca” na beira do rio que
passava nos fundos do terreno. Já estava anoitecendo e o Tatão nada de aparecer.
Meu avô Ibrahim foi a sua procura e como viu que ele já se encaminhava para
casa, esperou por ele debaixo de uma árvore com a mão apoiada nela. Veio
caminhando com a cabeça baixa e quando chegou perto de onde estava meu avô
levantou a cabeça e deparou com aquela pessoa parada. Não sei o que poderia
estar pensando, não sei o medo que trazia, mas o fato foi que quando o viu, só
falou: ”-Bicho, diabo!” e saiu correndo com toda a sua dificuldade e só parou
quando chegou dentro de casa. Provavelmente o medo era tanto que ele deve ter
visto ali uma coisa imensa e que não deixou reconhecer seu próprio irmão.
Pronto: foi o suficiente para divertir
meu avô e virar mais um motivo de gozação!
Apesar desse medo todo, gostava de assustar
algumas pessoas. Certa vez, estava lá no seu quarto, quando entrou uma dessas
crianças curiosas. Deve ter falado alguma coisa ou mesmo feito alguma careta. O
fato é que a menina levou tanto susto que só conseguiu soltar aquele grito
aterrorizado depois que já estava na calçada de casa!
Nós nos divertimos muito quando começamos
contar as suas histórias, mas até hoje ele consegue assustar uma pessoa ou
outra com elas. O sogro de minha sobrinha, o Paulinho, depois de umas dessas
conversas, não sei por que, ficou com tanto medo do Tatão que nem dormiu à
noite, achando que a claridade dos faróis dos carros que passavam à noite eram
almas do outro mundo!
Depois de já acamado, quando chamava para
virá-lo na cama, o eleito era o meu pai, que levantava à noite, sem reclamar e
o atendia. Em uma determinada noite, depois de chamá-lo e de ser atendido, meu
pai voltou para a cama e é chamado outra vez:
“-Nagib, Nagib!
-O que é, Tatão? Acabei de te virar!
-É só para te dizer que seu pijama é muito
bonito!”
Esse era o Tatão! O meu tio Tatão!
Paulinho com medo do Tatão