quarta-feira, 26 de setembro de 2012

SEBASTIÃO FEREIRA DINIZ OU SOMENTE TATÃO

                                                             TATÃO





SEBASTIÃO FEREIRA DINIZ OU SOMENTE TATÃO
   Lembrei-me do Tatão. Do nada me veio a lembrança de fatos ocorridos que ficaram na minha memória. Numa velocidade atroz, como flashes de trailer de filmes, vieram tantas lembranças!
   Tatão era Sebastião Ferreira Diniz, irmão do meu avô materno e que tinha uma deficiência física provavelmente originária de um parto difícil, uma paralisia cerebral que, o decorrer dos anos, foi decisivo para seu agravamento. Naquela época, não existiam os recursos de agora, então Tatão foi passando da bengala, para o carrinho de 3 rodas, para a cadeira de rodas e daí para a cama. Com o cognitivo preservado, era de uma grande inteligência, crítico e um grande chantagista. Gostava de brincar de adivinhações com as crianças, mas tinha preferência por uma especificamente, que fazia sempre: “ O que é o que é? Uma caixinha de bom parecer, mas não há carpinteiro que a possa fazer?” A resposta era amendoim (na casca obviamente). E  ria , ria muito das coisas “mal feitas”, daquelas que davam errado.  Era esperto para saber aproveitar dos que o achavam bobo. Em época de eleição fingia que vendia seu voto e então ganhava sapatos de um, terno de outro e assim ia vivendo. Nunca deixou de ter uma atividade. Em épocas em que não havia facilidade para benefícios sociais, trabalhava no seu carrinho: vendia café, engraxava sapatos...
   Convivi minha infância toda com ele. Primeiro no carrinho, na cadeira de rodas (da qual tinha um ciúme enorme), e depois, quando foi para a cama. Era então mais complicado para mim, mas nunca tive medo, raiva, vergonha ou qualquer sentimento adverso. À noite ele gritava muito, ou melhor, chamava muito para que alguém o  virasse  na cama, rogando a morte, mas com uma vontade de viver imensa. Quando sentia alguma coisa, quando pensava que ia morrer, punha a “boca no mundo” e pedia para não morrer e que se chamasse o médico.
   Existem alguns fatos folclóricos em relação a ele que vou tentar reproduzir:
   Em determinada ocasião, em que ainda se locomovia com alguma independência, disse que ia se matar. Pegou uma bala de revólver e disse que ia engolir e que aí ia dar cabo à vida. Meu avô, seu irmão, já o conhecendo bem, disse que ele fosse em frente. Pegou então a bala e disse para ele engolir e saiu. Dias depois, quando a sua camisa foi para ser lavada, achou-se a bala dentro do bolso.
 Um de seus inúmeros prazeres era colocar apelidos nas pessoas: meu tio Enéas era Geleia Mocotó de Égua, minha mãe era Fré, tio Luiz era Zé Velho e Brucutu, tia Therezinha , a Perereca, o tio Betão era Alemão, e à Dindinha ele chamava Costa D´ África. Gostava muito de usar expressões engraçadas. Quando uma pessoa sumia, ficava algum tempo sem aparecer, lá vinha ele com a teoria de que a pessoa já tinha morrido e era um tal de :
“-Ah! Fulano abotoou o paletó, ou Fulano atravessou o córrego, ou ainda Fulano botou pijama de madeira.”
   Sendo ele uma pessoa de um medo desmedido de almas de outro mundo, era vítima de brincadeiras e de sua própria imaginação. Em uma época em que moravam numa casa que tinha um quintal grande, com muitas árvores , num dia de muito calor, foi tomar a “fresca” na beira do rio que passava nos fundos do terreno. Já estava anoitecendo e o Tatão nada de aparecer. Meu avô Ibrahim foi a sua procura e como viu que ele já se encaminhava para casa, esperou por ele debaixo de uma árvore com a mão apoiada nela. Veio caminhando com a cabeça baixa e quando chegou perto de onde estava meu avô levantou a cabeça e deparou com aquela pessoa parada. Não sei o que poderia estar pensando, não sei o medo que trazia, mas o fato foi que quando o viu, só falou: ”-Bicho, diabo!” e saiu correndo com toda a sua dificuldade e só parou quando chegou dentro de casa. Provavelmente o medo era tanto que ele deve ter visto ali uma coisa imensa e que não deixou reconhecer seu próprio irmão.
       Pronto: foi o suficiente para divertir meu avô e virar mais um motivo de gozação!
  Apesar desse medo todo, gostava de assustar algumas pessoas. Certa vez, estava lá no seu quarto, quando entrou uma dessas crianças curiosas. Deve ter falado alguma coisa ou mesmo feito alguma careta. O fato é que a menina levou tanto susto que só conseguiu soltar aquele grito aterrorizado depois que já estava na calçada de casa!
 Nós nos divertimos muito quando começamos contar as suas histórias, mas até hoje ele consegue assustar uma pessoa ou outra com elas. O sogro de minha sobrinha, o Paulinho, depois de umas dessas conversas, não sei por que, ficou com tanto medo do Tatão que nem dormiu à noite, achando que a claridade dos faróis dos carros que passavam à noite eram almas do outro mundo!
      Depois de já acamado, quando chamava para virá-lo na cama, o eleito era o meu pai, que levantava à noite, sem reclamar e o atendia. Em uma determinada noite, depois de chamá-lo e de ser atendido, meu pai voltou para a cama e é chamado outra vez:
    “-Nagib, Nagib!
     -O que é, Tatão? Acabei de te virar!
     -É só para te dizer que seu pijama é muito bonito!”
      Esse era o Tatão! O meu tio Tatão!
                                             Paulinho com medo do Tatão