sábado, 5 de maio de 2018

TIO DEMÉTRIO


TIO  DEMÉTRIO

    Presto aqui uma homenagem a um tio que não conheci efetivamente, já que quando faleceu estava eu com uns 6 ou 7 anos,  apesar de me lembrar perfeitamente quando a minha mãe deu a notícia de tal fato. Isto não me causou dor ou tristeza sendo eu uma criança e não tendo um grande ou quase nenhum contato com ele, mas passou a certeza de que tinha acontecido alguma coisa muito ruim e séria e que a todos estava afetando de modo intenso.  Sei que sempre foi admirado pela sua inteligência e pelo seu espírito lutador e combativo.
   Meu pai contava que ele dizia que o ser humano não pode ser cem por cento civilizado. Pelo menos dez por cento tinha que ser selvagem. Acho que concordo bastante com essa teoria.
   Foi um homem generoso, sem ambições financeiras. Certa vez ganhou uma causa grande e dividiu o dinheiro entre os irmãos e os amigos. Foi quando defendeu os proprietários do enorme magazine Parc Royal que desmoronou em um  incêndio em 9 de Julho de 1943, contra a Prefeitura do Rio de Janeiro, os quais estavam sendo acusados de provocarem o incêndio propositalmente.
   Segundo descrição de sua aparência física tenho essa informação: “Na aparência física, é um homem vigoroso e ameaçador como um leão. O tronco hercúleo, os ombros largos, o peito amplo, a máscara severa, a cabeleira opulenta e revolta como uma juba. O olhar dardejante nos arrebatamentos da eloqüência - eis sem dúvida a imagem exata do rei das selvas ao aprestar-se para o combate. Mas que ninguém se assuste. Este só é leão para os tiranos, os opressores, os exploradores e exploradores dos fracos e desamparados”.
    Foi discípulo de Rui Barbosa e companheiro de Nilo Peçanha na campanha civilista e prosseguiu acompanhando o curso das ideias reivindicatórias e sociais.
   Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a luta pela instituição do voto secreto, pelo direito ao voto feminino e pela ampla liberdade de pensamento político e religioso.  Em 1934 foi candidato avulso, mas mesmo não ganhando uma cadeira na Câmara Federal continuou na luta em prol dos ideais socialistas que sempre foram suas convicções
   Era advogado e seu escritório de advocacia ficava no Rio de Janeiro na Rua São José, número 56. Era um sobrado e na época ficava em cima do restaurante Ribatejo, que hoje já não existe.  Não me lembro de ter ido lá, mas anos depois passei na frente e meus pais falaram que ali era o escritório do Tio Demétrio. Vi umas portas verdes, imponentes, quase um santuário.  Não sei se era assim mesmo ou se apenas tenha visto pela minha imaginação, que não era pequena. Sua residência era em Laranjeiras.
    Não posso falar sobre ele, mas posso em sua homenagem reproduzir o que dele já falaram. Partindo de informações familiares digo que meu tio era um homem idealista e sendo o mais velho dos irmãos influenciou o pensamento e ideais dos outros irmãos e consequentemente de alguns de seus sobrinhos. A veia “comunista” que o impulsionou, foi legada a muitos de nós, mesmo que fosse de um modo romântico e nem sempre real. O fato de ter trabalhado com Rui Barbosa, de ter sido amigo de Graciliano Ramos, de ter passado por algumas detenções em decorrência de seu idealismo e luta, o orgulho de saber que combateu a ditadura de Getúlio Vargas, o que lhe rendeu uma prisão em um navio na Baia de Guanabara, foram fatos para nós, sobrinhos, uma fonte de orgulho  e quase endeusamento.
   Combateu violentamente o integralismo.
  “ Como contribuição à luta contra a fascistização do país, jamais se esquivou das lutas escravizadoras e tulmutuarias. Os cárceres da reação retiveram-no cerca de três anos causando-lhes inúmeros e vultuosos danos patrimoniais e profissionais. Sendo levado ao Tribunal de Segurança, diante do qual fez sua própria defesa, falando uma hora e meia, por concessão especial, pois  eram concedidos quinze minutos apenas. Era um dos líderes  da Aliança Nacional Libertadora quando a ditadura de Getúlio Vargas resolveu fechá-la. Enquanto se efetuava a diligência disse: ”Vocês podem fechar as portas da sede da Aliança Nacional Libertadora, porém, nunca, as da consciência liberal do Brasil.” (Jornal Artes Fluminenses)
   O tema de sua tese do curso de direito que cursou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil foi; CORPORATIVISMO E FASCISTIVISMO. E por ironia serviu de base para um trabalho escolar realizado por mim e uma amiga sobre fascismo em plena ditadura militar constando sua obra e nome nas fontes bibliográficas.
   Sei que seu idealismo era real, suas convicções coerentes. Socialista por ser socialista, pelas teorias que conhecia, com pureza, com paixão, acreditando no que pensava, no que pregava.
   Hoje talvez ficasse horrorizado com o conceito de socialismo que versa no Brasil, com essa política louca camuflada por conceitos históricos como socialismo, democracia, comunismo, fascismo. Com certeza ficaria indignado e diria: “Parvos! Não sabem o que dizem! Não sabem o que pensam! Repetem conceitos, não sentem conceitos!”
  Gostaria muito de ter tido contato com ele, de ter conhecido seus pensamentos, ter discutido ideias com ele. Não foi possível, mas ficou seu legado através de sua recordação e isso, espero que fique também para a geração mais nova.
    Este texto foi extraído do livro TERRA DA PROMISSÃO escrito pelo major Porphirio Henriques quando então o meu tio ainda vivia:
  “ Discípulo de Rui Barbosa e companheiro de Nilo Peçanha, militou na campanha civilista e prosseguiu o curso das ideias reivindicatórias e sociais. Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a luta pela instituição do voto secreto, pelo direito do voto feminino, apoiando o seu colega Porphirio Henriques quando apresentou o projeto concedendo esse direito às mulheres do Estado do Rio, e é pela ampla liberdade de pensamento político e religioso.
    Aceitando a revolução de 1930, como imperativo histórico, combateu, a seguir, o governo do Dr. Getúlio Vargas, continuando na luta em prol das ideias socialistas que sempre foram suas convicções, participando, ativamente, dos combates da Aliança Nacional Libertadora, sofrendo então a partir de 1937, prisões consecutivas e prolongadas.
     Combateu violentamente o integralismo, que ele considerava como ramo do fascismo, da violência governamental. “
     Meu querido tio Demétrio continua ainda hoje sendo uma lenda para nós e de quem todos temos um orgulho enorme, orgulho esse que gostamos de cultivar e elevar. Pena não estar entre nós para que nos ensinasse o que é ser político e principalmente como age uma pessoa politizada.
   Mas ficam nosso carinho e nosso respeito por uma pessoa tão lutadora e admirável!