TIO DEMÉTRIO
Presto aqui uma homenagem a um tio que não
conheci efetivamente, já que quando faleceu estava eu com uns 6 ou 7 anos, apesar de me lembrar perfeitamente quando a
minha mãe deu a notícia de tal fato. Isto não me causou dor ou tristeza sendo
eu uma criança e não tendo um grande ou quase nenhum contato com ele, mas passou
a certeza de que tinha acontecido alguma coisa muito ruim e séria e que a todos
estava afetando de modo intenso. Sei que
sempre foi admirado pela sua inteligência e pelo seu espírito lutador e
combativo.
Meu pai contava que ele dizia que o ser
humano não pode ser cem por cento civilizado. Pelo menos dez por cento tinha
que ser selvagem. Acho que concordo bastante com essa teoria.
Foi um homem generoso, sem ambições financeiras.
Certa vez ganhou uma causa grande e dividiu o dinheiro entre os irmãos e os
amigos. Foi quando defendeu os proprietários do enorme magazine Parc Royal que desmoronou
em um incêndio em 9 de Julho de 1943,
contra a Prefeitura do Rio de Janeiro, os quais estavam sendo acusados de
provocarem o incêndio propositalmente.
Segundo descrição de sua aparência física
tenho essa informação: “Na aparência física, é um homem vigoroso e ameaçador
como um leão. O tronco hercúleo, os ombros largos, o peito amplo, a máscara
severa, a cabeleira opulenta e revolta como uma juba. O olhar dardejante nos
arrebatamentos da eloqüência - eis sem dúvida a imagem exata do rei das selvas
ao aprestar-se para o combate. Mas que ninguém se assuste. Este só é leão para
os tiranos, os opressores, os exploradores e exploradores dos fracos e
desamparados”.
Foi discípulo de Rui Barbosa e companheiro
de Nilo Peçanha na campanha civilista e prosseguiu acompanhando o curso das
ideias reivindicatórias e sociais.
Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a
luta pela instituição do voto secreto, pelo direito ao voto feminino e pela
ampla liberdade de pensamento político e religioso. Em 1934 foi candidato avulso, mas mesmo não
ganhando uma cadeira na Câmara Federal continuou na luta em prol dos ideais
socialistas que sempre foram suas convicções
Era advogado e seu escritório de advocacia
ficava no Rio de Janeiro na Rua São José, número 56. Era um sobrado e na época
ficava em cima do restaurante Ribatejo, que hoje já não existe. Não me lembro de ter ido lá, mas anos depois
passei na frente e meus pais falaram que ali era o escritório do Tio Demétrio.
Vi umas portas verdes, imponentes, quase um santuário. Não sei se era assim mesmo ou se apenas tenha
visto pela minha imaginação, que não era pequena. Sua residência era em
Laranjeiras.
Não
posso falar sobre ele, mas posso em sua homenagem reproduzir o que dele já
falaram. Partindo de informações familiares digo que meu tio era um homem
idealista e sendo o mais velho dos irmãos influenciou o pensamento e ideais dos
outros irmãos e consequentemente de alguns de seus sobrinhos. A veia
“comunista” que o impulsionou, foi legada a muitos de nós, mesmo que fosse de
um modo romântico e nem sempre real. O fato de ter trabalhado com Rui Barbosa,
de ter sido amigo de Graciliano Ramos, de ter passado por algumas detenções em
decorrência de seu idealismo e luta, o orgulho de saber que combateu a ditadura
de Getúlio Vargas, o que lhe rendeu uma prisão em um navio na Baia de Guanabara,
foram fatos para nós, sobrinhos, uma fonte de orgulho e quase endeusamento.
Combateu violentamente o integralismo.
“ Como contribuição à luta contra a
fascistização do país, jamais se esquivou das lutas escravizadoras e
tulmutuarias. Os cárceres da reação retiveram-no cerca de três anos
causando-lhes inúmeros e vultuosos danos patrimoniais e profissionais. Sendo
levado ao Tribunal de Segurança, diante do qual fez sua própria defesa, falando
uma hora e meia, por concessão especial, pois eram concedidos quinze minutos apenas. Era um
dos líderes da Aliança Nacional Libertadora
quando a ditadura de Getúlio Vargas resolveu fechá-la. Enquanto se efetuava a
diligência disse: ”Vocês podem fechar as portas da sede da Aliança Nacional
Libertadora, porém, nunca, as da consciência liberal do Brasil.” (Jornal Artes
Fluminenses)
O tema de sua tese do curso de direito que
cursou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil foi; CORPORATIVISMO E
FASCISTIVISMO. E por ironia serviu de base para um trabalho escolar realizado
por mim e uma amiga sobre fascismo em plena ditadura militar constando sua obra
e nome nas fontes bibliográficas.
Sei que seu idealismo era real, suas
convicções coerentes. Socialista por ser socialista, pelas teorias que
conhecia, com pureza, com paixão, acreditando no que pensava, no que pregava.
Hoje talvez ficasse horrorizado com o
conceito de socialismo que versa no Brasil, com essa política louca camuflada por
conceitos históricos como socialismo, democracia, comunismo, fascismo. Com
certeza ficaria indignado e diria: “Parvos! Não sabem o que dizem! Não sabem o
que pensam! Repetem conceitos, não sentem conceitos!”
Gostaria muito de ter tido contato com ele,
de ter conhecido seus pensamentos, ter discutido ideias com ele. Não foi
possível, mas ficou seu legado através de sua recordação e isso, espero que
fique também para a geração mais nova.
Este texto foi extraído do livro TERRA DA
PROMISSÃO escrito pelo major Porphirio Henriques quando então o meu tio ainda
vivia:
“ Discípulo de Rui Barbosa e companheiro de
Nilo Peçanha, militou na campanha civilista e prosseguiu o curso das ideias
reivindicatórias e sociais. Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a luta
pela instituição do voto secreto, pelo direito do voto feminino, apoiando o seu
colega Porphirio Henriques quando apresentou o projeto concedendo esse direito
às mulheres do Estado do Rio, e é pela ampla liberdade de pensamento político e
religioso.
Aceitando a revolução de 1930, como
imperativo histórico, combateu, a seguir, o governo do Dr. Getúlio Vargas,
continuando na luta em prol das ideias socialistas que sempre foram suas
convicções, participando, ativamente, dos combates da Aliança Nacional
Libertadora, sofrendo então a partir de 1937, prisões consecutivas e
prolongadas.
Combateu violentamente o integralismo, que
ele considerava como ramo do fascismo, da violência governamental. “
Meu
querido tio Demétrio continua ainda hoje sendo uma lenda para nós e de quem
todos temos um orgulho enorme, orgulho esse que gostamos de cultivar e elevar.
Pena não estar entre nós para que nos ensinasse o que é ser político e
principalmente como age uma pessoa politizada.
Mas ficam nosso carinho e nosso respeito por
uma pessoa tão lutadora e admirável!