sábado, 18 de julho de 2009

EU E MEU AVÔ

Eu e meu avô éramos uma dupla imbatível. Vivemos juntos travessuras que uma criança e um avô criativo podem aprontar. Passeávamos juntos todos os dias e foi com ele que aprendi a fazer contas, o que não achava nada chato, já que fazíamos isto através das placas das casas pela quais passávamos nos nossos passeios matinais. Com ele aprendi a gostar de desafios mentais e de cartas enigmáticas. Acho que devo a essa convivência o fato de gostar e –modéstia à parte- trabalhar bem com crianças e principalmente a necessidade que acho de se proteger pessoas idosas e o carinho que elas me transmitem. Era uma vida leve que não sei se atribuo ao fato de ser criança, à convivência com uma pessoa inteligente e de bem com a vida ou se aos dois juntos. A verdade é que ninguém poderia ter um avô melhor e mais rico em imaginação do que eu. Aprendi a andar a cavalo, a ver formas variadas nas nuvens, a ficar deitada observando o céu e aprendi que não precisa de muitas coisas para fazer uma criança feliz: um carretel para virar carrinho, um pedaço de bambu para se transformar numa espingardinha cuja munição eram caroços de milho ou feijão, umas histórias cheias de mistérios ou algumas vezes com fatos macabros, mas essas só valiam se contadas à noite. Meu avô era um homem crítico, que em tudo via graça e não deixava passar nada que lhe chamasse a atenção, principalmente se fosse um fato que pudesse deixar a pessoa sem graça. Era também muito inteligente. Estava sempre inventando alguma coisa ou em idéias ou objetos. No sítio que tínhamos explorávamos todos os espaços a pé ou a cavalo. Fazíamos sandálias de palha de bananeira, imaginávamos tantas coisas e entre elas uma onça morando e nos espreitando no meio de meia dúzia de árvores que tinha em um morrinho chegando perto da casa do sítio. Só sei que eu por ali passava morrendo de medo de a onça pular em cima de mim e, enquanto andava, não tirava os olhos de lá esperando pela pintada e pronta para correr. Ele adorava ler livros que falassem de curiosidades e passou isso para mim também. Quem descobrisse alguma curiosidade nova contava para o outro. Foi assim que fiquei sabendo que as lagartixas chegaram ao Brasil através do navios negreiros. E assim íamos levando a vida todos os dias. Uma coisa o aborrecia muito quando fui crescendo. Não gostava de me ver conversando com nenhum menino. Não falava nada, mas ficava sem falar comigo durante alguns dias. Foi assim até o dia em que saí de casa para estudar. Ele não me quis ver sair, então saiu antes e foi para a casa de meu tio, só voltando depois que eu já havia ido. Nunca falou nada, mas acho que ele não concordou com essa minha saída. Existem pessoas indescritíveis e assim era meu avô. Jamais farei justiça à pessoa que ele era através da escrita. Tantas coisas boas vivemos que não cabem no papel, ficam só na lembrança e na saudade de uma vida tão boa e tão cheia de carinho e riquezas de idéias.
Vovô e eu
Vovô
Minha avó Juracy e meu avô Ibrahim, pais de minha mãe
Uma das coisa que aprendi com meu avô
Eu, meu irmão, meu avô e meu pai no Cafundó em Itaperuna

sexta-feira, 17 de julho de 2009

TABULEIRO DE AREIA


Vejo a vida de um modo muito particular. Ela é vista de modo concreto, sempre gerando uma imagem para visualizá-la. É assim como um tabuleiro de areia onde existem bonequinhos de papel (como aqueles que as meninas vestem e despem com suas roupas de papel) encaixados. Eles são tirados de um lado para outro, trocados de lugar e é assim com as pessoas quando se mudam, quando se locomovem, quando vão e vem do trabalho ou do passeio. É assim também quando morremos. Os bonequinhos são retirados e os espaços ficam vazios, mas sempre lembrando que ali havia uma figura, mesmo que aquele espaço seja preenchido. Existem espaços que não são nunca preenchidos novamente, ou por falta de oportunidade ou por falta de bonecos que se encaixem ali. Existem bonecos grandes e pequenos, mais coloridos ou menos coloridos, mais firmes ou menos firmes. Quem os tira ou muda de lugar não sei, mas vejo uma mão como se fosse a mão de uma criança brincando de bonecos. Tira ou põe como achar melhor, como ficar mais bonito ou como para aplacar um capricho. A areia é aquela como as das construções: areia lavada (acho que é assim que se chama) e um pouco grossa. Não é fatalismo achar que não temos escolha, é só uma representação visual, lúdica ou quem sabe infantil, porém é assim que visualizo sempre que alguém se muda, quando estou indo trabalhar ou quando alguém morre. A imagem fica mais nítida quando os olhos se fecham. Aí, sim, torna-se quase palpável. Entretanto é só uma brincadeira de quem sempre visualiza fatos e notícias de modo particular. Talvez seja mais fácil assim aceitarmos e entendermos tantas coisas que ocorrem no nosso dia-a-dia, talvez assim seja mais fácil ser feliz.

A TRISTEZA

A tristeza (ou seria melancolia?) é um sentimento ímpar e inexplicável através das palavras. É uma coisa doída, profunda e acho que estranha. Que caminho é esse percorrido pela tristeza que nos deixa tão arrasados e tão sem defesas? Que sentimento é esse que nos deixa com uma dor profunda? Não se sabe onde a dor dói, mas parece que é no peito, parecendo deixá-lo expandido e o coração grande, sem ar, sem perspectiva, sem vida. Que dor profunda é essa que vem com rapidez e se vai tão devagar? Mais uma vez pergunto? Que caminho percorre, de onde vem, para onde vai? Será que fica escondida para reaparecer na primeira oportunidade? Por que existem pessoas que parecem que nunca ficam tristes? A origem é orgânica,mas é também da vida que elas levam? Como encaram as adversidades, procurando ver o lado positivo?Porém, quando é difícil perceber os pontos positivos? Sim, porque parece que para algumas pessoas tudo vai desmoronar toda vez que estão em calmaria e aí lá vem ela, maltratando, machucando, fazendo-se valer. Às vezes ela se confunde com insegurança,com medo ou com a dependência das situações às quais está relacionada. Mas é sempre doída e funda. Às vezes parece bobagem, às vezes parece tão sério! Às vezes vai-se rápido, às vezes demora em ir-se. Porém é sempre ela, encorpada ou sem sustância, grande ou pequena. Entretanto o melhor momento é quando ela se cansa de nós e se vai.Ah! Que alívio, que leveza e que grande amor sentimos por tudo e por todos! Aí, sim! Valeu a pena! Ela se foi! Tomara que não volte mais, pensamos então! Tomara que tome outro rumo e que vá para outras paragens. Agora ela parece apenas um vulto, uma figura etérea que se esvoaça pelo tempo e pelo espaço. Parece até mesmo que não passou de um sonho, todavia sabemos também que precisamos dela às vezes para continuarmos vivendo, lutando, chorando para que depois tenhamos o grande prazer do sorriso, do alívio e do conforto. Sabemos que um dia voltará de alguma forma, mas temos certeza de que também, de alguma forma ou por alguém, ela se irá e mais uma vez voltaremos para os nossos risos e nossos amores.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

AS ALMAS NAS ASAS DAS BORBOLETAS

Dizem que a alma de quem morre está nas asas das borboletas, que voam livremente e são tão coloridas, leves e lindas. Mas porque será que está cada vez mais raro ver uma borboleta?Onde estarão as almas? E as borboletas? Tão prazeroso ver uma borboleta voando fazendo zigue-zagues pelo espaço, parece mesmo uma alma flutuando na plenitude de sua liberdade. Liberdade de tempo, espaço e massa, liberdade de compromissos, de rotinas, de decepções e de dificuldades. Leve como uma partícula de poeira ou uma pluma ao vento. Onde estarão as borboletas ? E as almas, então? Terão escolhido outro meio de flanar livremente ou simplesmente não estão mais em lugar algum? A idéia de que possam evoluir livres e leves nos é tão bem-vinda que é difícil aceitar que elas não estejam mais por aqui.Tanto borboletas como almas. Onde será o lugar em que borboletas e almas estarão? Onde podemos vê-las tão plenamente? Como serão as borboletas que levam as almas?Serão todas ou só algumas privilegiadas? Se assim for, então está explicado porque elas estão tão raras, mas se assim não for, se as almas não escolhem determinadas borboletas,então,temos que descobrir onde estão as borboletas. E as almas? O que escolheram para flanar? Não. Prefiro pensar que elas estão só esperando as lindas e leves borboletas e que elas, as borboletas, estão sim, por aí, porém nossos olhos é que se desacostumaram de vê-las e aí elas parecem não existir. Mas não, elas estão aí sim, com certeza estão. Elas existem assim, como tenho certeza, as almas também existem. Temos que acostumar novamente os nossos olhos a verem a beleza, a leveza e a plenitude. Aí sim estaremos aptos a ver de novo as borboletas e- quem sabe?- as almas também.

terça-feira, 14 de julho de 2009

TIO UADY

Uady significa rio que acaba no deserto e acho que foi assim a vida do meu tio Uady, irmão de meu pai. Lembro bem que era um homem moreno, de olhos claros, que deveria ter sido um belo rapaz quando jovem. Não tivemos relacionamento estreito, mas recordo bem a figura humana a quem pretendo ser fiel. Era um homem ímpar, sem similar, assim como todos os irmãos de meu pai e ele próprio. É uma característica familiar, cada um com seu jeito, mas ímpares, sem nenhuma pessoa semelhante. Uma pessoa tão pura de coração e tão inocente em determinadas ocasiões que dele se aproveitaram muitos. Eu achava muito engraçado quando dizia que tomava porre de guaraná.Era um funcionário público característico, sem ambições e cumprindo incondicionalmente seus deveres na função que exercia e sempre ocupando a mesma mesa durante anos a fio e com a qual ajudou a manter a família. Enquanto moravam na mesma casa tinham uma empregada de nome Ana que tomava conta de tudo que se referia à parte doméstica de um lar, já que não tinha mais a figura de sua mãe. Depois de algum tempo foi morar sozinho no seu apartamento e ganhou a liberdade de ter quem quisesse. Lembro-me que admirava a minha mãe, que denominava de moderna porque aceitava a vida que ele levava enquanto sua irmã o recriminava pela vida mais livre, a qual chamava de retrógrada. Foi de sua boca que pela primeira vez ouvi essa palavra na minha infância. Acho que não acreditava muito na capacidade profissional dos sobrinhos que via crescerem e se formarem em alguma profissão e sempre perguntava para alguém:" Será que fulano sabe mesmo fazer isto?” Por outro lado, era vaidoso e desportista. Possuía uma baleeira (um barco a remo largo com um só lugar) que ficava no Clube de Regatas Icaraí e no qual remava todos os dias. Devia ser um prazer muito grande e talvez por causa deste refúgio tenha conseguido sobreviver durante tantos anos do mesmo jeito puro e levando o trabalho de uma mesma rotina. Falava muito de dois amigos que eram Álvaro Tato e Azurem, os quais imaginava como ele, mas não tinha (assim como não tenho até hoje) a menor idéia de como eram, mas que, com certeza, o apoiavam e acobertavam. Afinal amigo é para isso, senão como ficariam sempre na sua memória?! Teve muitas mulheres, mas manteve sua condição de solteiro não sei por quê. Se por escolha, por contingências da vida, medo de se prender e perder a liberdade ou quem sabe algum amor secreto e não correspondido em algum lugar do passado, de sua vida que talvez não tenha sido tão fácil em vários momentos. O fato foi que assim permaneceu até o fim de sua velhice. Não sei o que lhe aconteceu, que doença o acometeu, não sei se pela idade avançada ou outro motivo, mas ficou com as lembranças de sua juventude e perdeu a razão. O tempo ficou parado em sua mente e não poderia mais viver sozinho, indo então para uma clínica onde morreu, não sei em que condições, se feliz ou não. Por suas características, pela filosofia de vida que adotou e pelas conversas que tinha com os sobrinhos mais velhos, não será esquecido nunca, ficando guardado sempre em algum lugar de nossas lembranças.
TioUady e Tio Benjamin
Uady significa "rio que morre no deserto" e Benjamin significa "filho mais novo"( o que não foi o caso dele), já que depois nasceu Nagib, meu pai.