quinta-feira, 20 de setembro de 2018

UMA HOMENAGEM






UMA HOMENAGEM

  Quando era criança e íamos visitar meus tios e primos em Niterói eu adorava brincar com minha prima Esmeraldinha que regulava idade comigo. Ela tinha uns brinquedos fascinantes e ali brincávamos por bastante tempo. Lembro-me do chinês que balançava a cabeça, da boneca que parecia um bebê de verdade, da mamadeira que enchia sozinha, do patinete e de tantos outros Ficava ansiosa toda vez que meus pais falavam que íamos visitá-los. Não tínhamos, portanto um convívio contínuo, mas a alegria desses encontros criou um carinho muito grande em relação a ela.
   O tempo foi passando e nos afastamos pela distância e pelo caminho que a vida toma sem nos consultar, mas nunca me esqueci do sentimento que tinha quando lá estava. Esse carinho perdurou durante todos esses anos.
   Reencontramo-nos via rede social e nos revemos em dois encontros de família que tivemos -Encontro da Família Hamam- e pude ver que o meu carinho e lembranças doces permaneceram depois de tantos anos afastadas.
   Mas por um caminho aleatório Esmeraldinha se foi mais cedo do que deveria.  Senti muito, como se convivêssemos no dia a dia. Com o tempo passando pensei que deveria lhe prestar uma homenagem. Mas, como? Não dizendo que era uma mulher bonita, inteligente e outros adjetivos. Não era esse o objetivo. Lembrei de que gostava muito de alguns textos que ela escrevia no Faceboock e procurando por lá achei alguns. Não sei se existem outros, mas, esses são maravilhosos.
    Sendo assim decidi publicar nesse blog esses textos que nos fazem lembrá-la com carinho e com respeito.




 “Quando as emoções começam a me arranhar como uma lâmina que corre pra lá e pra cá, a folha de papel em branco vem me socorrer, deixando-se ser preenchida com palavras, frases, períodos, que fazem escorrer choros, angústias, dúvidas, alegrias, saudades, vida. Ligação estreita entre o que acontece dentro de mim e o que vais sendo escrito no papel. Sentimentos extrapolam, pulando magicamente do interior para o exterior, vazando por todos os lados. Uma inundação difícil de ser contida. A alma embriagada lança-se num voo altíssimo. Mãos úmidas, coração palpitando, sinto-me um vulcão em erupção e misturo os papéis de narradora e personagem, perdendo um pouco a noção do que é ficção e do que é realidade. Não há um roteiro pronto e acabado, tudo vai acontecendo de acordo com o que dita o meu ser, atropelado pelos mais variados sentimentos e sensações. Presente, passado, futuro, vou e venho ao meu gosto, numa lógica que é só minha. Uma história vai sendo tecida, palavras se combinando, adjetivos adornando, advérbios detalhando, até ser colocado o ponto final. Gostaria de usar todas as palavras, se pudesse, para aliviar a sensação de sufoco que me deixa oca. Escrevo, escrevo e, entre uma vírgula e outra, lanço um olhar ao meu redor. O real me chama, mas prefiro ficar aqui, onde reino absoluta e grito com total liberdade. O pensamento não pode ser algemado. Eis a salvação. Penetro num mundo onde não existe o tempo linear. Tempo que corrói, que distancia, que aproxima. Ao sabor das minhas palavras, tudo acontece do meu jeito, pessoas nascem como flores, erguem-se sonhos e amores. Tudo me conta, tudo me diz. E, guiando as palavras, vejo brotar a esperança e a sensação de eternidade.”
ESMERALDA HAMAM


CARTAS DE UM AMOR SEM FIM


   “As famílias moravam na mesma rua: uma, de origem libanesa; outra, de origem portuguesa. A menina acabara de completar quinze anos e perdera a mãe. O pai, dono de uma loja de louças finas, no centro do Rio, falecera antes. Assim, os irmãos mais velhos preocupavam-se com ela e a protegiam de todas as maneiras. Do outro lado da calçada, a família do mascate que viera para o Brasil à procura de trabalho e melhores condições de vida, mantinha relações cordiais com os vizinhos. Um dos filhos, ruivo e amante dos esportes, remava, nadava e jogava futebol na areia, já que morava a poucas quadras da praia. Foi ali que se conheceram a menina e o rapaz, ele alguns anos mais velho que ela. Muito tímida, mal percebia o interesse dele que, discreto, aproximara-se dos irmãos daquela que seria a grande e definitiva paixão de sua vida. A menina achava-o velho e os cabelos ruivos, que conferiam a ele o apelido de Ferrugem, não lhe agradavam. "Saudades da nossa praia, dos gostosos banhos de mar. Delícias que não saem da minha memória. Tudo o que existe de belo e sublime: acima, o céu azul, cortado, aqui e ali, por brancas nuvens; à frente, o sempre encantado e misterioso mar. E, dominando tudo isso, a melhor das visões: você". Com muita paciência e insistência, o rapaz iniciou um namoro na calçada com a menina, a caçula da família, sem poder entrar na casa. Com o tempo, foi-lhe permitido ultrapassar os limites do portão, passando a namorar no banco da varanda, sinal de que o compromisso ficara mais sério. Ali, muitas vezes, sem trocar uma só palavra, compartilharam a alegria indescritível de estarem juntos. A delicadeza e dedicação do rapaz conquistavam, pouco a pouco, a menina, que encontrara nele uma segurança para sua vida, a segurança que havia perdido quando lhe faltaram os pais. Ele era o seu porto seguro, passou a admirá-lo e, confiante, foi em frente, certa de que seriam felizes juntos, A família aceitou-o bem, achavam-no respeitoso e, além do mais, formara-se em Direito. Passou a frequentar a casa da família. Formado, o rapaz foi trabalhar em outra cidade, no interior do Estado, mas o forte elo que os unia não foi abalado pela separação. "Após o nosso afastamento por motivo de trabalho, permanece em mim a sensação de nostalgia e saudade. Disseste, na tua última carta, que a minha ausência provocava em ti um certo desamparo, pelo fato de não me veres a teu lado. Que amor sublime nos une e enche minha alma de alegria!" Durante um bom tempo, a correspondência entre ambos testemunhou a força de um amor seguro e de uma saudade sem par. "Bem sabes que és para mim a estrela guia. Por nosso amor, vou vencendo os obstáculos da vida, esperando realizar a nossa sonhada união". Algumas vezes, por ocasião de feriados ou férias, ele voltava à cidade natal. "Querida, não imaginas o tamanho da minha saudade e do meu amor por ti. Poderia escrever milhares de cartas e, ainda assim, faltariam palavras para expressar a força do meu sentimento. Tenho certeza de que a distância não representa motivo de esquecimento. Apesar dela, juntos se acham nossos corações e com ela tivemos a certeza de termos nascido um para o outro". Passados alguns anos, já com emprego seguro, o jovem advogado tratou de alugar uma casa e mobiliá-la, pensando na chegada da futura mulher. Preocupava-o levá-la para longe, afastá-la da família, mas o amor falou mais forte para ambos e juntos superariam as adversidades. "Tenho ido quase todos os dias à oficina de móveis. Na minha opinião, eles ficarão colossais, não só pela competência do carpinteiro como pela beleza da madeira". Após o casamento, ela partiu com o marido para o interior. Aprendizado difícil; tudo ali era novo e estranho. Amadureceu rapidamente, sempre amparada pelo seu amor maior. A correspondência não se fazia mais necessária. Para eles, estava concretizada a realização de um enorme desejo: a vida a dois. Da união, nasceram cinco filhos. A cada nascimento, pegavam o trem e iam para a cidade onde os recursos eram melhores. Após alguns anos, mudaram-se definitivamente para onde se conheceram, voltando a ficar perto de suas famílias. Ali, nasceu a última filha, a caçula, que recebeu o nome da mãe: Esmeralda
(Trechos originais de cartas escritas por meu pai)

ESMERALDA HAMAM

                                               GOTAS DE LAMA
 “No ar, um frio úmido e insistente deixa na boca o gosto salgado de lágrimas que não secam. Rio a correr pelo rosto lambuzado de dor e desesperança. Um rio que nada tem de doce. Um rosto cujos traços estão sendo endurecidos, tal qual a lama que, depois de seca, torna-se pedra, Lama concreta, espessa, trágica. Lama venenosa, que avança sem parar, que mata. Mata lembranças, histórias, sentimentos, pessoas. Lama que suja a alma, invade o corpo, corre pelas veias. Intoxica.
Era uma vez..... um doce rio, o rio Doce. A lama cimentou a vida que nele existia. Fauna e flora foram soterrados. Cadê o rio? O rio que era doce? Acabou-se. Agora, virou o não rio.
Até quando a arrogância dos que se julgam poderosos (pobres coitados!) persistirá, esmagando direitos, burlando a ética, esbanjando autoritarismo e irresponsabilidade? Mara de lama.... Lama podre e nojenta, onde chafurdam os perfumados de colarinho branco. 
Só mesmo o poeta para descobrir atrás da lama toda a primavera. 
Por muito tempo, ainda restará na boca o gosto salgado das lágrimas.”
   ESMERALDA HAMAM









quinta-feira, 7 de junho de 2018

CARTA À MINHA MÃE








Carta à minha mãe

   Minha querida, tanto tempo vivemos juntas, tanto nos falamos, mas quanta coisa ficou a ser dita, quantas perguntas que não foram respondidas e quantas pendências ficaram a serem discutidas
   Fico pensando em como adquirimos uma cumplicidade nos últimos anos, nos quais falávamos e nos entendíamos com um olhar. Sabíamos quando uma ou outra estava desconfortável, ou quando estávamos tristes ou angustiadas. Queríamos salvar uma à outra de situações que estavam nos trazendo desconforto e às vezes metíamos os pés pelas mãos e chateávamos alguém sem querer. Aprendemos o que podíamos falar ou o que devíamos ignorar. Conheci segredos de família que não tinham sidos ditos até então. Conheci histórias nem sempre motivo de orgulho para quem foi protagonista. Fiquei sabendo fatos, que transformaram pessoas endeusadas em humanos com grandes falhas.
   Tenho que te pedir desculpas por não ter percebido que sua jornada estava chegando ao fim. Deveria ter entendido por que seu apetite se tornou frugal e não ter perdido a paciência quando na maioria das vezes forçava, sem sucesso que se alimentasse. Deveria entender que seu sono constante já era o final de sua vivência entre nós, assim como sua falta de interesse em assuntos antes tão bem vindos para uma conversa inteligente. De fato me recusei a perceber que estava próxima a sua viagem para encontrar os seus irmãos, o meu pai, seus pais e tantos outros que fizeram parte de sua vida.
   Não consigo esquecer sua última semana e precisamente seus dois últimos dias. Por causa do que foi chamado depressão, e chegando o médico à conclusão, de que o remédio não estava adiantando, aumentou sua dosagem. Aí uma pessoa que apesar de debilitada estava lúcida, respondendo às perguntas, de repente começou a alucinar e eu tive uma sensação de impotência e mesmo com a outra mexida no remédio, não deu tempo de tentar que você voltasse ao normal. Mas você pressentiu ou foi avisada. Naquela noite ao ir ao banheiro, estando então serena, falou: ”vou morrer hoje”.
   No dia seguinte pela manhã você se foi docemente.
   Que dor profunda, mas não tive tempo de chorar e nem me despedir. Tive que sair para resolver as situações práticas. E nesse momento não era a sua filha que o estava fazendo, mas uma terceira pessoa que consegui deslocar de mim mesma. Sensação péssima. Era como se não fosse você querida mãe, que estava dependendo de todas aquelas decisões, mas uma pessoa estranha. Nossa capacidade de defesa é enorme e complexa.
   Pedi desculpas antes, mas agora peço perdão por uma falha que me acompanhará o resto de vida que tenho. Você, mulher de grande fé e enquanto pôde rezou o terço todos os dias, foi sepultada sem ele. Não percebi e só depois me dei conta que falhei horrivelmente nesse sentido. Espero seu perdão e sua compreensão. Muita coisa para gerenciar e esse fato importante ficou em segundo plano. Se alguém percebeu não me alertou e a senhora se foi sem seu companheiro. Uma vez me disse que mãe sempre perdoa e me apego a esse dito para tentar não me mortificar com esse fato.
   Foi minha amiga nesses anos que ficamos apenas nós duas, fomos cúmplices, fomos complemento, fomos continuação.
   Fico pensando como somos parecidas. Não fisicamente. Você era bonita. Mas para mim ficou a preocupação constante com tudo e com toda a insônia, o sofrimento por antecipação, a semelhança do pé e da mão, a vontade de agradar quem nos visita, a vontade de saber cada vez mais, a curiosidade para aprender, a paixão pela leitura. Mas para por aí. Porque você tinha uma inteligência superior. Com certeza. Nunca poderia saber fazer tudo para o qual você tinha habilidade. Acho que posso afirmar que jogava em todas as posições. Era ótima cozinheira, sabia pintar, costurar, fazer inúmeros trabalhos manuais, entre tantas outras coisas. Múltiplas habilidades. Além do mais tinha uma cultura excepcional, sem viajar, mas através de leituras. Quando não sabíamos a origem de algum nome ou qualquer outra coisa, podíamos perguntá-la, pois saberia a resposta. Mas sabia antes de tudo e mais do que tudo amar e nos deixar esse amor que nos dedicou com prazer e com intensidade.
   Beijos querida! Seja feliz e nos proteja sempre!
   Sua filha que sempre cultivará sua lembrança!



sábado, 5 de maio de 2018

TIO DEMÉTRIO


TIO  DEMÉTRIO

    Presto aqui uma homenagem a um tio que não conheci efetivamente, já que quando faleceu estava eu com uns 6 ou 7 anos,  apesar de me lembrar perfeitamente quando a minha mãe deu a notícia de tal fato. Isto não me causou dor ou tristeza sendo eu uma criança e não tendo um grande ou quase nenhum contato com ele, mas passou a certeza de que tinha acontecido alguma coisa muito ruim e séria e que a todos estava afetando de modo intenso.  Sei que sempre foi admirado pela sua inteligência e pelo seu espírito lutador e combativo.
   Meu pai contava que ele dizia que o ser humano não pode ser cem por cento civilizado. Pelo menos dez por cento tinha que ser selvagem. Acho que concordo bastante com essa teoria.
   Foi um homem generoso, sem ambições financeiras. Certa vez ganhou uma causa grande e dividiu o dinheiro entre os irmãos e os amigos. Foi quando defendeu os proprietários do enorme magazine Parc Royal que desmoronou em um  incêndio em 9 de Julho de 1943, contra a Prefeitura do Rio de Janeiro, os quais estavam sendo acusados de provocarem o incêndio propositalmente.
   Segundo descrição de sua aparência física tenho essa informação: “Na aparência física, é um homem vigoroso e ameaçador como um leão. O tronco hercúleo, os ombros largos, o peito amplo, a máscara severa, a cabeleira opulenta e revolta como uma juba. O olhar dardejante nos arrebatamentos da eloqüência - eis sem dúvida a imagem exata do rei das selvas ao aprestar-se para o combate. Mas que ninguém se assuste. Este só é leão para os tiranos, os opressores, os exploradores e exploradores dos fracos e desamparados”.
    Foi discípulo de Rui Barbosa e companheiro de Nilo Peçanha na campanha civilista e prosseguiu acompanhando o curso das ideias reivindicatórias e sociais.
   Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a luta pela instituição do voto secreto, pelo direito ao voto feminino e pela ampla liberdade de pensamento político e religioso.  Em 1934 foi candidato avulso, mas mesmo não ganhando uma cadeira na Câmara Federal continuou na luta em prol dos ideais socialistas que sempre foram suas convicções
   Era advogado e seu escritório de advocacia ficava no Rio de Janeiro na Rua São José, número 56. Era um sobrado e na época ficava em cima do restaurante Ribatejo, que hoje já não existe.  Não me lembro de ter ido lá, mas anos depois passei na frente e meus pais falaram que ali era o escritório do Tio Demétrio. Vi umas portas verdes, imponentes, quase um santuário.  Não sei se era assim mesmo ou se apenas tenha visto pela minha imaginação, que não era pequena. Sua residência era em Laranjeiras.
    Não posso falar sobre ele, mas posso em sua homenagem reproduzir o que dele já falaram. Partindo de informações familiares digo que meu tio era um homem idealista e sendo o mais velho dos irmãos influenciou o pensamento e ideais dos outros irmãos e consequentemente de alguns de seus sobrinhos. A veia “comunista” que o impulsionou, foi legada a muitos de nós, mesmo que fosse de um modo romântico e nem sempre real. O fato de ter trabalhado com Rui Barbosa, de ter sido amigo de Graciliano Ramos, de ter passado por algumas detenções em decorrência de seu idealismo e luta, o orgulho de saber que combateu a ditadura de Getúlio Vargas, o que lhe rendeu uma prisão em um navio na Baia de Guanabara, foram fatos para nós, sobrinhos, uma fonte de orgulho  e quase endeusamento.
   Combateu violentamente o integralismo.
  “ Como contribuição à luta contra a fascistização do país, jamais se esquivou das lutas escravizadoras e tulmutuarias. Os cárceres da reação retiveram-no cerca de três anos causando-lhes inúmeros e vultuosos danos patrimoniais e profissionais. Sendo levado ao Tribunal de Segurança, diante do qual fez sua própria defesa, falando uma hora e meia, por concessão especial, pois  eram concedidos quinze minutos apenas. Era um dos líderes  da Aliança Nacional Libertadora quando a ditadura de Getúlio Vargas resolveu fechá-la. Enquanto se efetuava a diligência disse: ”Vocês podem fechar as portas da sede da Aliança Nacional Libertadora, porém, nunca, as da consciência liberal do Brasil.” (Jornal Artes Fluminenses)
   O tema de sua tese do curso de direito que cursou na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil foi; CORPORATIVISMO E FASCISTIVISMO. E por ironia serviu de base para um trabalho escolar realizado por mim e uma amiga sobre fascismo em plena ditadura militar constando sua obra e nome nas fontes bibliográficas.
   Sei que seu idealismo era real, suas convicções coerentes. Socialista por ser socialista, pelas teorias que conhecia, com pureza, com paixão, acreditando no que pensava, no que pregava.
   Hoje talvez ficasse horrorizado com o conceito de socialismo que versa no Brasil, com essa política louca camuflada por conceitos históricos como socialismo, democracia, comunismo, fascismo. Com certeza ficaria indignado e diria: “Parvos! Não sabem o que dizem! Não sabem o que pensam! Repetem conceitos, não sentem conceitos!”
  Gostaria muito de ter tido contato com ele, de ter conhecido seus pensamentos, ter discutido ideias com ele. Não foi possível, mas ficou seu legado através de sua recordação e isso, espero que fique também para a geração mais nova.
    Este texto foi extraído do livro TERRA DA PROMISSÃO escrito pelo major Porphirio Henriques quando então o meu tio ainda vivia:
  “ Discípulo de Rui Barbosa e companheiro de Nilo Peçanha, militou na campanha civilista e prosseguiu o curso das ideias reivindicatórias e sociais. Deputado estadual de 1924 a 1930, liderou a luta pela instituição do voto secreto, pelo direito do voto feminino, apoiando o seu colega Porphirio Henriques quando apresentou o projeto concedendo esse direito às mulheres do Estado do Rio, e é pela ampla liberdade de pensamento político e religioso.
    Aceitando a revolução de 1930, como imperativo histórico, combateu, a seguir, o governo do Dr. Getúlio Vargas, continuando na luta em prol das ideias socialistas que sempre foram suas convicções, participando, ativamente, dos combates da Aliança Nacional Libertadora, sofrendo então a partir de 1937, prisões consecutivas e prolongadas.
     Combateu violentamente o integralismo, que ele considerava como ramo do fascismo, da violência governamental. “
     Meu querido tio Demétrio continua ainda hoje sendo uma lenda para nós e de quem todos temos um orgulho enorme, orgulho esse que gostamos de cultivar e elevar. Pena não estar entre nós para que nos ensinasse o que é ser político e principalmente como age uma pessoa politizada.
   Mas ficam nosso carinho e nosso respeito por uma pessoa tão lutadora e admirável!




sábado, 17 de março de 2018

SAUDADES DE LUGARES QUE NUNCA FUI


SAUDADES DE LUGARES QUE NUNCA FUI

   Sinto saudades de lugares que nunca fui; de estradas pelas quais nunca passei; de pessoas que nunca conheci! Como isso é possível? Não sei! Mas é assim!
   São estradinhas que não sei para onde vão, mas que parece que já andei por ali e então sinto uma saudade doída. São casinhas simples na beira das estradas que doem o peito quando olho para elas, são pessoas que imagino que estarão no final daquele caminho, muitas vezes de terra batida, ou dentro daquela casa pelas quais sinto uma ternura imensa. Nunca andei verdadeiramente por esses caminhos, mas me vejo ali, cavalgando ou somente caminhando sozinha, em paz, com prazer! Para onde estarei indo? O que encontrarei no final? Não sei!
   Quando era criança e passava por alguma casinha pequena, humilde onde só tinha uma janela e uma porta na frente, desejava morar ali. Achava que devia ser muito bom e a achava linda! Não me lembro de comentar isso com ninguém! Nem adulto e nem criança. Era um sentimento só meu; muito particular. Um segredo, eu acho! Talvez as outras pessoas julgassem uma coisa boba ou maluca. Não falava, ninguém sabia!
  Parecia que ali dentro tinha alguma coisa especial. Talvez fossem recordações escondidas da casa da D. Anita, que morava perto do nosso sítio e que tinha uma casinha pequenininha de chão batido, mas que era tão especial que chegava brilhar como se fosse encerado. Não sei! Talvez!
  Talvez fosse apenas curiosidade sobre o que teria atrás daquela portinha, ou fosse minha imaginação, que era grande, trabalhando com afinco para ver através das paredes. Mas talvez fosse só mesmo um sentimento de pertencimento, de reconhecimento ou de saber que ali, naquela casinha com uma janela só poderia ter uma vida cheia de janelas e portas com muitos sentimentos escondidos.
  Muitas vezes me imaginei abrindo aquelas portinhas e entrando naquelas casas, muitas vezes me imaginei continuando a caminhar por aquelas estradinhas ou a cavalgar por aqueles pastos sem saber onde iria parar. Um sentimento tão constante que ainda hoje sei como é. Recordo com todas as nuances essas imagens. Ainda hoje em viagens, olhando pelas estradas, me vêm esses pensamentos e me recordo de como me sentia e então outra vez sinto aquela saudade de pessoas e lugares que nunca vi.

 




ESCADA QUE NÃO VAI PARA LUGAR NENHUM


ESCADA QUE NÃO VAI PARA LUGAR NENHUM

   Na minha casa tem uma escada que não vai para lugar nenhum. Seu último degrau está encostado em um muro. O que aquela escada faz ali?
   É uma escada que dá em um muro, mas que leva a muitos lugares, a várias sensações e lembranças. Lembrança de um portão que existia ali e que foi testemunha de muitos acontecimentos.
   Passamos por perigo quando eu, ainda bem criança, vigiava a minha mãe para uma moça que foi criada lá em casa, namorar. Ela gostava de namorados que eram casados e os encontrava escondido e aquela escada e aquele portão nos fundos do quintal vinham a calhar. E eu ansiosa e com uma sensação enorme de perigo ficava vigiando os passos de minha mãe.
   Foi também testemunha de farra para as crianças e salvação para os adultos na época em que faltava água em Itaperuna. Era por ali que o caminhão pipa entregava a água solicitada. Os adultos carregando e eu me divertindo com aquele movimento todo.
   Também foi cenário para meus estudos. Era ali que eu me sentava, com um pé de mamão ao lado para estudar as matérias teóricas. Meu lugar preferido. Aprendia rápido.
   Então, ela leva para muitos lugares, mas para quem não conheceu aquele portão não pode nem imaginar o que aquela escada que não vai para lugar nenhum faz ali.
   São subidas e descidas por degraus reais e imaginários. Quando olho hoje aquela escada, que não vai para lugar nenhum, meus pensamentos são povoados por lembranças queridas e saudosas. Vejo tudo tão nitidamente que parece que estou vivendo novamente aqueles momentos. Eu, sentada naquela escada, estudando , pensando na minha vida tão curta ainda naquele momento, mas tão rica de experiências prazerosas.
   Temos, eu e a escada que não vai para lugar nenhum, lembranças cúmplices e amadas!

domingo, 16 de agosto de 2015

NAQUELA MESA ESTÃO FALTANDO ELES


NAQUELA MESA ESTÃO FALTANDO ELES

   Uma mesa na casa, uma mesa na copa, uma mesa que conta histórias, várias mesas em uma só...
   Na verdade várias mesas passaram pelo mesmo espaço, mas o que ficou foi a lembrança de pessoas naquele espaço.
   A cozinha sempre foi o lugar preferido para reuniões familiares. Nesse caso, a copa, que é conjugada à cozinha. Naquele espaço delimitado por uma mesa se juntavam pais e filhos, tios e sobrinhos, avós e netos, primos de várias idades, comidas, bebidas e boa música cantada pelos meus tios e pela minha mãe. Surgiam histórias da vida de meu avô, histórias de família, piadas contadas pelo meu tio Luiz, fofocas, brincadeiras e até umas brigas de vez em quando, mas que sempre acabavam em risadas. Era um espaço em que havia xingamentos, alegrias, risadas, lágrimas. Sempre um misto de sentimentos e emoções que parecia  “sui generis” para quem não nos conhecia.
   Ali crescemos, esperando essas reuniões, e crianças ainda, não arredávamos pé dali. Os adultos permitiam que participássemos, que estivéssemos sempre juntos, legando para nós, crianças, suas lembranças e histórias. Muitas se perderam na nossa memória infantil, mas muitas ainda hoje recordamos. São lembranças vivas, são histórias recordadas com carinho, com graça, com risadas. Meu avô contava fatos de seu passado, os quais nem mesmo sei se são verdadeiros. Creio que a maioria eram reais, talvez exagerados, mas aconteceram. A vida de meu avô foi rica em experiências e aventuras e em muitas delas levou junto a família: mulher, filhos e agregados. Era engraçado ouvir as aventuras dele e de meus tios. Ouvíamos falar de um lugar chamado Abre-Campo, conhecemos através de histórias, muitas personagens. Havia um homem ímpar chamado Augusto Pelado, sem muitos detalhes soubemos que existia um “seu” Otávio, dono da fazenda que meus avós moraram em Abre-Campo, descobrimos que a minha avó sabia atirar e que nessa fazenda em Abre-Campo matou um gambá, aprendemos que a música preferida de meu avô chamava-se Laura (talvez uma paixão do passado?!), que ele pedia sempre para os filhos cantarem, e ficamos conhecendo tantos outros personagens que povoaram nossa imaginação. Nenhuma brincadeira nos dava mais prazer.
   Mas agora faltam muitos deles. Meu avô, minha avó, dois dos tios e meu pai se foram. Estão só na nossa lembrança. A mesa continua lá no mesmo espaço, mas as reuniões não mais acontecem. Não tem mais aquela alegria, aquela balburdia, aquele falatório. A energia boa ficou, mas em silêncio, sem pessoas. Então quando olhamos aquela mesa pensamos; estão faltando eles! Que lástima! Que saudade! Mas que bom que tivemos essa oportunidade! Que bom que pudemos conviver nesse espaço, nessa mesa tão harmônica, tão feliz! Que bom foi internalizar, absorver a nossa família! Que bom fazer parte desse prazer! Lembranças que carregaremos para sempre!

 

Esta é a letra de Laura

 

Laura

BRAGUINHA

Um vale em flor, a fonte,
O rio cantando
O sol banhando a estrada,
Frases de amor
Laura,
Um sorriso de criança
Laura,
Nos cabelos uma flor
Ô Laura,
Como é linda a vida!
Ô Laura,
 
Como é grande o amor!
Depois o adeus, o lenço,
A estrada, a distância,
O asfalto, a noite, o bar,
As taças de dor
Laura,
Que é da rosa dos cabelos
Laura,
 
Que é do vale sempre em flor
Ô Laura,
Que é do teu sorriso
Ô Laura,
Que é do nosso amor



sábado, 18 de julho de 2015

QUEM ERA TIO JORGE


QUEM ERA TIO JORGE?

   Quem era tio Jorge?
   Irmão de meu avô Elias, que ajudou a minha avó acabar de criar seus filhos depois do falecimento de seu marido.
   Era sócio de meu avô no comércio que tinham e dizem que por não saber ler e nem escrever não puderam continuar com a firma depois que meu avô morreu. Não ficou claro se não sabia ler e escrever só em português ou se em árabe também.
   Como era ele? Segundo informações de meu pai era de ter rompantes, não tinha muita paciência e fazia as coisas de um modo meio abrutalhado. Meu avô materno o conheceu e contava que ele era briguento. Trabalhava em um comércio local e brigava com o proprietário sempre que podia. Fazia propaganda negativa dos produtos e pela informação, era uma figura engraçada. Quando tinha manga para vender falava para o freguês; “Não leva não. Manga azeda!!” Com os cobertores não era diferente: “Figueiredo dorme com essas cobertas e depois vende aqui!” Tudo isso falado com aquele sotaque de árabe! Outra curiosidade sobre o seu comportamento era que ao ver um pedaço de pão jogado pelo chão, o pegava, fazia o gesto de um beijo e o colocava encostado em algum lugar, demonstrando um grande respeito por aquele alimento que era o pão.
   Não temos muitas informações, não temos fotos, sabemos que tinha cabelo ruivo,  como era o dos sobrinhos Demétrio, Tuphy e Benjamin e Adma, sabemos que ajudou muito contribuindo para o crescimento de seus sobrinhos. Muitos, da geração mais nova, nem sabem da existência desse tio que tanto ajudou aos nossos ascendentes! Injusto com ele e com nosso avô!
   Tio Jorge sempre foi um nome muito lembrado por meu pai que estava sempre contando alguma coisa sobre ele. Sei que sentia um carinho especial por aquele tio, que de certa forma ficou no lugar de pai.
   Devemos também ao querido  Tio Jorge a formação do caráter firme e honesto que meu pai e seus irmãos e irmãs. Com seu jeito rude soube transmitir retidão e mostrar um caminho simples, porém digno que todos seguiram sem esforço!
   Viva Tio Jorge!!!!! Beijos carinhosos Tio Jorge!!!!!

domingo, 3 de agosto de 2014

UMA FOTO NO PORTA- RETRATO

UMA FOTO NO PORTA- RETRATO

   O que significa uma foto no porta-retrato? Cada foto tem sua história própria, com cada emoção, com cada alegria ou tristeza aprisionadas ali dentro daquela moldura do porta- retrato. O que significa olhar ali uma pessoa que nos é ou foi tão cara, parada numa pose, num sorriso, num olhar que só você sabe o que quer dizer. Tem algum significado para quem olha de fora a não ser perceber a estética de uma foto bonita ou o desgaste do tempo?   Temos em nossa vida muitas fotos assim. São fotos com um significado particular, ninguém terá o mesmo sentimento seu ao olhá-la.
   No meu caso eu tenho uma foto principal que sinto assim. Ninguém pode captar o que está ali. Eu posso! Lembro perfeitamente do dia que foi feita, do sentimento que me trouxe naquela data, no prazer de estar ali com aquelas duas pessoas. Essa foto foi feita no dia de um dos aniversários de meu pai. Estão nela eu, meu pai e minha sobrinha. Lembro-me do grande prazer de meu pai em tirar aquela foto, do sorriso que está lá demonstrando seu amor. Foi a foto que me consolou depois de sua morte. Todos os dias quando ia trancar a porta da sala na hora de dormir, olhava para ela e dava boa noite para o meu pai e pedia baixinho que ele olhasse por nós. Que não deixasse que perdêssemos  o amor, o respeito e o prazer de nossa família, assim como ele sempre sentiu e nos transmitiu. Ainda hoje é para ela que vai o meu olhar quando fecho ou abro a porta da sala. Ela está lá numa mesinha com outras  fotos, mas o foco é sempre ela. Traz um prazer e um conforto olhar ali nós três.
    Outra foto  me é particularmente preciosa.  Estão lá minha mãe, minha sobrinha e meu pai. Sei bem o orgulho, a alegria, o grande prazer daqueles dois avós ao ver aquela foto depois.  Está ali, registrado, o grande amor, um amor incondicional, por sua única neta! O orgulho deles!

   Quantas outras são assim sentidas! A foto que retrata meu avô e eu! As inúmeras que mostram meu irmão comigo, outras tantas que trazem a lembrança de uma infância tão saborosa! Fotos e mais fotos em porta-retratos, pessoas queridas, sentimentos e emoções aprisionados em uma cercadura, que sempre estarão eternamente lá, cada vez que forem olhadas, admiradas!


A BACIA DE LAVAR ARROZ

                                                    A Bacia de lavar arroz
  

       Na minha casa os objetos (e pessoas também), têm a tradição de serem  longevos. Assim são os móveis, louças, roupas e tudo o mais. Temos especialmente uma bacia de alumínio que está um tanto quanto avariada, mas é a bacia que usamos para lavar o arroz antes de cozinhá-lo. Como tudo lá em casa, ela tem também uma história. Essa pequena bacia deve ter perto de talvez uns 60 anos. Pertenceu a minha tia Assma, irmã de meu pai e de lá chegou às mãos de minha   mãe. Foi para o nosso sítio, onde começou o seu ofício de ser usada para lavar o arroz.  Já está   quebrando o alumínio das beiradas, mas ninguém pensa em trocá-la. Para minha tia servia para   colocar legumes, frutas e outros alimentos. Acho que funcionava meio como uma fruteira. Não sei por que a bacia foi de "herança" para nós. Bem, na verdade para a minha mãe, já que eu nem pensava em nascer. Assim foi nos servindo durante todo esse tempo.  Não passa pela minha cabeça trocá-la por outra vasilha, apesar de já estar quase machucando nossas mãos ao manuseá-la.

    Como tudo na nossa família ela também tem um componente afetivo. Não sei bem se é a tradição que ficou no nosso inconsciente pregresso, quando o oriental dizia que a alma de um    antepassado podia estar em um objeto na casa. Podia ser numa cadeira ou qualquer outro     objeto. O fato é que lá está a bacia, começando a  estragar,  começando a quebrar, servindo sempre aos seus propósitos. O propósito de lavar o arroz para nosso almoço e sempre será um canal de lembranças familiares, passando pelas nossas mentes figuras e fatos acontecidos nas nossas vidas. Uma simples bacia, velha, avariada, mas que traz tantas histórias, tantas vidas envolvidas que se torna algo precioso a ponto de não ser substituída. E lá está a mesma bacia de mais de 50 anos atrás nos servindo !




domingo, 1 de dezembro de 2013

CONFISSÕES DE TUAN

CONFISSÕES DE TUAN



   Sou natural de Itaperuna e me chamavam pelo nome de Tuan. Fui o primeiro Ramster de minha dona Liz. Depois de me adquirir, ela me deu mais três irmãos: Ozzy e Eddie, que chegaram juntos, eram muito levados, impossíveis mesmo, sendo que Eddie  era bem bravo e não deixava ninguém pegá-lo. Minha dona o escolheu porque quando ela estava na loja ele arrumou uma confusão danada quando foram pegar o balde de ração. Fugiu correu por cima dos computadores e foi difícil capturá-lo e o Ozzy era muito gordo e não gostava de se exercitar na rodinha. Mais tarde a Mini, cuja raça era originária da Síria e era um doce de bichinho, muito carinhosa mesmo! Mas não os conheci.
   Eu tive a minha gaiola, com brinquedos e outras regalias, mas não ligava muito para andar naquela rodinha na qual deveria correr, correr e não chegar a lugar nenhum, além disso eu já estava cansado, meio idoso e não tinha lá muita disposição para isso! Gostava mais de ficar no meu canto sem muitos movimentos. Fiquei um pouco doente certa vez, com um tumor na boca, então a Liz me levou, mesmo sendo proibido, na veterinária do Zoológico e ela falou que eu era muito barato e que não valia a pena me tratar. Minha dona ficou brava, muito brava e me levou em outra profissional que cuidava de canários, ela me receitou um remédio, mas não adiantou e acabei morrendo. Aí então começou todo o drama que veio a se desenrolar. E que drama!!
   Liz ficou muito triste e não deixou que meu pequeno corpo fosse jogado no lixo. O que fazer então? Ela achou a solução. Deveria me enterrar em Itaperuna, na casa da sua avó, mas estávamos em Volta Redonda, muito longe de Itaperuna! Como fazer? Mais uma vez ela achou a resposta. Colocar meu corpo no freezer e levar quando fosse lá a passeio. Foi uma revolta! Sua mãe e seu pai não deixaram. “Imagina! Colocar esse rato no freezer! Você está maluca!” Como solucionar o problemão que minha morte causou? Só tinha uma saída. Arranjar um lugar para me enterrar, mas ela morava em um apartamento! Aí decidiram o que fazer! Perto do prédio, mais especificamente perto da estrada, havia um lugar que poderia servir. Era um espaço de terra, onde era gramado e que seria o lugar ideal. E lá foi o pai, a mãe e minha dona para esse lugar tarde da noite para cavar para mim uma cova. Foi uma cena peculiar, acho que posso chamar de uma cena bizarra! Com uma picareta começaram o trabalho, passavam carros e olhavam, passou uma viatura policial e quase parou. Acho que seria meio difícil, constrangedor explicar o que estavam fazendo ali à meia noite cavando um buraco! Será que iam acreditar que aquelas pessoas estavam ali para me dar uma sepultura digna?
   O fato é que a proeza ficou na história da família e talvez hoje não exista mais nada de mim, mas fiquei muito feliz que tenham se preocupado comigo e que tenham enfrentado tantas adversidades para que eu descansasse em paz.
   Muito obrigado Liz, pelo seu empenho em me defender até o último momento em que estivemos juntos! Meu pequeno coração ficou eternamente feliz e agradecido por tudo que você me proporcionou!




domingo, 24 de novembro de 2013

FOTOGRAFIAS DE RECORDAÇÕES E EMOÇÕES







FOTOGRAFIAS DE RECORDAÇÕES E EMOÇÕES

   Deveria existir uma máquina que fotografasse recordações. A imagem sairia exatamente como estamos pensando, como estamos recordando. É muito difícil ser fiel em palavras ao nos referirmos às imagens dos nossos pensamentos,  das nossas recordações. Como ser fiel ao descrever a nossa árvore, a taipa, no quintal do nosso sítio? Como fazer outras pessoas entenderem como ficavam os arreios colocados naquele travessão na horizontal sob ela? Não dá para contar em palavras, sem imagem nossos passeios a cavalo, as nossas pescarias no rio ou no valão. Como passar o drama da travessia do valão cheio de lama nas costas do meu irmão? O aperto que passamos com o meu avô o mandando atravessar me carregando, as caras assustadas dele com medo de não conseguir e a minha de cair naquele lamaçal? E o burro que se chamava Brinquedo? Quando empacava com o meu irmão montado e o meu avô Ibrahim o espetando para que andasse, mas ele só empinava! Como eu me assustava com medo dele derrubar o meu irmão! Não. Não dá para imaginar quem não estava lá. Onde está a foto deste momento?
   Como descrever a cor do cachorro que se chamava Sultão e como mostrar o pavor que ele tinha de pedras e a ira com que enfrentava um cabo de vassoura? E a vaca que correu atrás de mim? Eu, saída de uma doença, que não lembro o que era (acho que gripe), verde de tanto tomar chá de uma erva chamada Macaé, fui ver meu avô e meu irmão tocar umas vacas. Fiquei na porteira, quando uma delas olhou muito feio para mim e avançou. Corri, corri, corri muito, até chegar a casa. Onde está a foto dessa recordação, do medo que passei e da certeza que a vaca estava realmente atrás de mim?
   Alguém vai entender quando eu contar que tinham dois copos lá no sítio, um vermelho e outro amarelo, com cheiro de leite e que eram exatamente da cor de duas camisas que a minha mãe tinha? Onde está registrado?
   As nossas escapadas de casa, deixando nossos pais dormindo, para irmos ao curral cedinho para vermos tirar leite, o chiqueiro que ficava perto da tulha, onde nosso pai guardava os sacos de arroz colhido e sobre os quais brincávamos de escalar, o terreiro de pedra (que era de cimento), onde se secava o arroz e onde brincávamos quando estava vazio, os espanta-camarada, que é um espinho em pendão que jogávamos nas costas um do outro... Quem consegue saber exatamente como era a não ser eu e meu irmão? Mas... se tivesse uma máquina de fotografar recordações...
   A nossa viagem para o sítio, a emoção de ficar esperando o ônibus e depois a caminhada de 3 km para chegarmos até a nossa casa. O prazer de cortar caminho pelo pasto e sermos atacados por quero-queros. A magia de parar para beber água na casa de Dona Anita, que era uma mulher tão pequenina e que morava com seu marido seu Manoel, numa casa tão pequenininha com um chão de terra batida, mas que brilhava tanto que parecia casa de boneca. Quem poderia registrar minha sede constante ao passar por ali e beber aquela água embaçada, mas que para mim era uma delícia. Onde está a expressão de aborrecimento da minha mãe que aparecia sempre que eu atrasava a volta para pegar o ônibus? E o prazer de ser carregada no pescoço do meu pai no trajeto do sítio para a estrada quando me cansava?
   Quem poderá saber hoje como era o apito do trem que passava do outro lado do rio ao entardecer e que me dava uma sensação de tristeza, que eu não entendia o que era? Como mostrar a cena engraçada que era quando comíamos as traíras pescadas pelo meu avô e que engasgávamos com as espinhas e que minha mãe mandava comer angu? Come angu...Come angu...
   São muitas lembranças, incontáveis lembranças, tão vivas para nós que as vivemos, mas sem significado ou emoção para quem as lê ou ouve.
    Mas... se tivesse uma máquina de fotografar recordações...



   

TIA MARIA







TIA MARIA
  
  Maria Betão tornou-se uma lenda em Itaperuna. Educadora, batalhadora, dona de uma escola de sucesso e que é respeitada até hoje. Por que Maria Betão? Na família Boechat tinham muitas Marias então para denominá-las usavam-se os nomes dos pais, então era Maria do Betão, Maria do Joque etc. Ficou o nome e muitas pessoas até hoje acham que é seu nome próprio. Corria um boato, e eu acho que muita gente ainda pensa assim, que ela havia ficado paraplégica, pois tinha feito regime para emagrecer. Mas não. Ela foi acometida por um vírus na sua coluna e apesar de tratar, não teve jeito. Era uma mulher vaidosa, bonita. E antes de ficar doente, morava em Niterói, onde estudou, se vestia muito bem, só usava salto alto e se divertia muito! Depois que surgiu sua deficiência, houve necessidade de algumas adaptações assim que voltou a morar em Itaperuna. Precisava de uma pessoa boa, honesta e dedicada que a ajudasse, então caiu do céu a Regina, guardiã de todas as horas. Mais, muito mais! Foi sua amiga, sua filha, sua protetora. Foi fiel até o fim. Foi quem acolheu suas alegrias, tristezas, decepções, raivas, e todos os tipos de sentimentos. Tia Maria não seria tia Maria sem a Regina. Muitos anos depois chegou a Claudiane, sobrinha da Regina e que manteve junto com a tia a dedicação à Maria Betão.
    Essa era a mulher chamada Maria. Mas essa não é a minha tia Maria. A minha tia Maria fez parte da minha vida desde que nasci. Era minha tia avó e minha madrinha. Quando, bem pequena, estava aprendendo a rezar a Ave–Maria, a minha mãe mandava que eu repetisse: “Ave Maria, cheia de graças...”, mas eu só repetia: “Tia Maria...”
   Passei por vários sentimentos em relação a ela. Primeiramente era uma tia muito engraçada, que toda vez que ia à sua casa ela me falava: “Tudo bem, muito bem? Veio a pé ou veio de trem?” Achava o máximo, mas detestava quando me deixava marca de batom vermelho nas minhas bochechas. Depois que cresci um pouco e fui estudar no colégio “Externato Duque de Caxias” os meus sentimentos se confundiam entre respeito e medo. Ela era brava e eu me encontrava com ela fora da escola, então eu achava que aquela disciplina do colégio deveria se estender para os momentos de lazer. Quando fui para o C.E. 10 de Maio, já com 10 anos, novamente mudou meu jeito de me relacionar. Aí ficou só o respeito, o medo se foi. Conversávamos, mas eu era criança, então meu relacionamento não era estreito. Chegou a época de sair de Itaperuna para estudar fora. Fui para Petrópolis e quando entrei para a faculdade de Psicologia nosso relacionamento se estreitou um pouco mais e conversávamos bastante. Voltando para a cidade 17 anos depois ficamos amigas. Sempre passava em sua casa e era sempre muito agradável conversar com a minha tia. Conversávamos coisas sérias, fazíamos um pouco de fofoca, brincávamos uma com a outra. Quando fui trabalhar com a inclusão da pessoa com deficiência na escola regular, não pude mais dividir com ela meus sucessos e meus fracassos em relação ao tema, pois ela já tinha sofrido um AVC e não conseguia se expressar direito e talvez não estendesse o que falávamos. Senti muita falta disso. Queria muito ter podido conversar com ela sobre o tema e como vínhamos desenvolvendo o trabalho. Sua escola foi a primeira, que tenho conhecimento, que aceitou em seu quadro de alunos crianças com deficiência. Foi a primeira escola inclusiva de Itaperuna. E isso quando nem se pensava em inclusão!
   Apesar de ser rígida em relação à escola, de dar importância enorme à disciplina, a minha tia era uma mulher afetuosa, moderna, que aceitava certos comportamentos e atitudes dos jovens. Era generosa. Muitos alunos estudaram sem pagar o colégio e nunca foram cobrados por isso. Acolheu muitas pessoas em sua casa e ajudou a todas sem distinção. Para a família era ponto de referência a quem todos prestavam deferência, a quem todos tinham respeito. Era, por assim dizer a matriarca, a chefe da família.

   Faz muita falta para todos nós o seu apoio e a certeza que sempre estaria ali quando precisássemos, mas com certeza nunca será esquecida por quem a conheceu e que teve o privilégio de participar de sua vida.



                                                                    

                                                        Tia Maria e eu