UMA HOMENAGEM
Quando era criança e íamos visitar meus tios
e primos em Niterói eu adorava brincar com minha prima Esmeraldinha que
regulava idade comigo. Ela tinha uns brinquedos fascinantes e ali brincávamos
por bastante tempo. Lembro-me do chinês que balançava a cabeça, da boneca que
parecia um bebê de verdade, da mamadeira que enchia sozinha, do patinete e de
tantos outros Ficava ansiosa toda vez que meus pais falavam que íamos
visitá-los. Não tínhamos, portanto um convívio contínuo, mas a alegria desses
encontros criou um carinho muito grande em relação a ela.
O tempo foi passando e nos afastamos pela
distância e pelo caminho que a vida toma sem nos consultar, mas nunca me
esqueci do sentimento que tinha quando lá estava. Esse carinho perdurou durante
todos esses anos.
Reencontramo-nos via rede social e nos revemos
em dois encontros de família que tivemos -Encontro da Família Hamam- e pude ver
que o meu carinho e lembranças doces permaneceram depois de tantos anos afastadas.
Mas por um caminho aleatório Esmeraldinha se
foi mais cedo do que deveria. Senti
muito, como se convivêssemos no dia a dia. Com o tempo passando pensei que
deveria lhe prestar uma homenagem. Mas, como? Não dizendo que era uma mulher
bonita, inteligente e outros adjetivos. Não era esse o objetivo. Lembrei de que
gostava muito de alguns textos que ela escrevia no Faceboock e procurando por
lá achei alguns. Não sei se existem outros, mas, esses são maravilhosos.
Sendo
assim decidi publicar nesse blog esses textos que nos fazem lembrá-la com
carinho e com respeito.
ESMERALDA
HAMAM
CARTAS DE UM AMOR SEM FIM
“As famílias moravam na mesma rua: uma, de
origem libanesa; outra, de origem portuguesa. A menina acabara de completar
quinze anos e perdera a mãe. O pai, dono de uma loja de louças finas, no centro
do Rio, falecera antes. Assim, os irmãos mais velhos preocupavam-se com ela e a
protegiam de todas as maneiras. Do outro lado da calçada, a família do mascate
que viera para o Brasil à procura de trabalho e melhores condições de vida,
mantinha relações cordiais com os vizinhos. Um dos filhos, ruivo e amante dos
esportes, remava, nadava e jogava futebol na areia, já que morava a poucas
quadras da praia. Foi ali que se conheceram a menina e o rapaz, ele alguns anos
mais velho que ela. Muito tímida, mal percebia o interesse dele que, discreto,
aproximara-se dos irmãos daquela que seria a grande e definitiva paixão de sua
vida. A menina achava-o velho e os cabelos ruivos, que conferiam a ele o
apelido de Ferrugem, não lhe agradavam. "Saudades da nossa praia, dos
gostosos banhos de mar. Delícias que não saem da minha memória. Tudo o que
existe de belo e sublime: acima, o céu azul, cortado, aqui e ali, por brancas
nuvens; à frente, o sempre encantado e misterioso mar. E, dominando tudo isso,
a melhor das visões: você". Com muita paciência e insistência, o rapaz
iniciou um namoro na calçada com a menina, a caçula da família, sem poder
entrar na casa. Com o tempo, foi-lhe permitido ultrapassar os limites do
portão, passando a namorar no banco da varanda, sinal de que o compromisso
ficara mais sério. Ali, muitas vezes, sem trocar uma só palavra, compartilharam
a alegria indescritível de estarem juntos. A delicadeza e dedicação do rapaz
conquistavam, pouco a pouco, a menina, que encontrara nele uma segurança para
sua vida, a segurança que havia perdido quando lhe faltaram os pais. Ele era o
seu porto seguro, passou a admirá-lo e, confiante, foi em frente, certa de que
seriam felizes juntos, A família aceitou-o bem, achavam-no respeitoso e, além
do mais, formara-se em Direito. Passou a frequentar a casa da família. Formado,
o rapaz foi trabalhar em outra cidade, no interior do Estado, mas o forte elo
que os unia não foi abalado pela separação. "Após o nosso afastamento por
motivo de trabalho, permanece em mim a sensação de nostalgia e saudade.
Disseste, na tua última carta, que a minha ausência provocava em ti um certo
desamparo, pelo fato de não me veres a teu lado. Que amor sublime nos une e
enche minha alma de alegria!" Durante um bom tempo, a correspondência
entre ambos testemunhou a força de um amor seguro e de uma saudade sem par.
"Bem sabes que és para mim a estrela guia. Por nosso amor, vou vencendo os
obstáculos da vida, esperando realizar a nossa sonhada união". Algumas
vezes, por ocasião de feriados ou férias, ele voltava à cidade natal.
"Querida, não imaginas o tamanho da minha saudade e do meu amor por ti.
Poderia escrever milhares de cartas e, ainda assim, faltariam palavras para
expressar a força do meu sentimento. Tenho certeza de que a distância não
representa motivo de esquecimento. Apesar dela, juntos se acham nossos corações
e com ela tivemos a certeza de termos nascido um para o outro". Passados
alguns anos, já com emprego seguro, o jovem advogado tratou de alugar uma casa
e mobiliá-la, pensando na chegada da futura mulher. Preocupava-o levá-la para
longe, afastá-la da família, mas o amor falou mais forte para ambos e juntos
superariam as adversidades. "Tenho ido quase todos os dias à oficina de
móveis. Na minha opinião, eles ficarão colossais, não só pela competência do
carpinteiro como pela beleza da madeira". Após o casamento, ela partiu com
o marido para o interior. Aprendizado difícil; tudo ali era novo e estranho.
Amadureceu rapidamente, sempre amparada pelo seu amor maior. A correspondência
não se fazia mais necessária. Para eles, estava concretizada a realização de um
enorme desejo: a vida a dois. Da união, nasceram cinco filhos. A cada
nascimento, pegavam o trem e iam para a cidade onde os recursos eram melhores.
Após alguns anos, mudaram-se definitivamente para onde se conheceram, voltando
a ficar perto de suas famílias. Ali, nasceu a última filha, a caçula, que
recebeu o nome da mãe: Esmeralda
(Trechos originais
de cartas escritas por meu pai)
ESMERALDA HAMAM
GOTAS DE LAMA
“No ar, um frio úmido e
insistente deixa na boca o gosto salgado de lágrimas que não secam. Rio a
correr pelo rosto lambuzado de dor e desesperança. Um rio que nada tem de doce.
Um rosto cujos traços estão sendo endurecidos, tal qual a lama que, depois de seca,
torna-se pedra, Lama concreta, espessa, trágica. Lama venenosa, que avança sem
parar, que mata. Mata lembranças, histórias, sentimentos, pessoas. Lama que
suja a alma, invade o corpo, corre pelas veias. Intoxica.
Era uma vez..... um doce rio, o rio Doce. A lama cimentou a vida que nele existia. Fauna e flora foram soterrados. Cadê o rio? O rio que era doce? Acabou-se. Agora, virou o não rio.
Era uma vez..... um doce rio, o rio Doce. A lama cimentou a vida que nele existia. Fauna e flora foram soterrados. Cadê o rio? O rio que era doce? Acabou-se. Agora, virou o não rio.
Até quando a arrogância dos que se julgam
poderosos (pobres coitados!) persistirá, esmagando direitos, burlando a ética,
esbanjando autoritarismo e irresponsabilidade? Mara de lama.... Lama podre e
nojenta, onde chafurdam os perfumados de colarinho branco.
Só mesmo o poeta para descobrir atrás da lama toda a primavera.
Por muito tempo, ainda restará na boca o gosto salgado das lágrimas.”
ESMERALDA HAMAMSó mesmo o poeta para descobrir atrás da lama toda a primavera.
Por muito tempo, ainda restará na boca o gosto salgado das lágrimas.”